quarta-feira, 13 de abril de 2011

Lendo o mundo

Ela nos pede pra ler o que diz a "Tia Si" na coluna Sopa de Letras, e pede ajuda pra completar os quadradinhos das cruzadas do Globinho, que ela já faz quase sozinha, cheia de lógica semântica. "Táxi: tá-tá... tê com á. Xi: cse, csi... tácse... Xiiii...!!! Não cabe." "B-R-A-S-I...O? B-R-A-S-I-U? Mãe, como é que se escreve? Com L?! Não acredito!!". E ri: "Bra-sil ", com inconsciente sotaque gaúcho. Rimos muito com as confusões, brincamos com a sonoridade das palavras que, tão parecidas, são escritas de jeito tão diferente, e lá vou eu tentar dar algum sentido ao fato de "calça" ser com cê cedilha e "balsa" , com esse; que o agá, de "Helena", juntando com o cê, faz barulho de xis... Que maravilha, uma delícia, parece pegadinha, ela adora e se diverte, ri gostoso.
E na rua? "Mãe, ali naquela casa está escrito 'centro médico', o que é centro médico?";
"Mãe, a saída é por ali", indica ao ler a placa;
"Que nome engraçado o dessa creche: "Mamãe pô... Pôsso... Mamãe pôsso ri?", lê, rindo. Não, Sofia, é mais ou menos isso; vamos ler de novo? Como naquela brincadeira de "quantos passos": "mamãe, posso ir?"... E lá vai ela.

Já pra ele, tudo é "Ah"... Um renovado encanto pelas coisas que reconhece. Nas fotos, nos livros, na realidade: "Ah...", aponta e suspira. De vez em quando, somos "mã" e "pá", mas só quando ele está com boa vontade pra nos dar esse gostinho. No geral, quem merece o privilégio são as "bó", de todo tipo. Qualquer círculo, em duas ou três dimensões, o fascina. E quando acaba a comida, o banho, a brincadeira, o desenho? "Bô!", ele conclui, conformado. Se a irmã cisma de mostrar como se brinca com o que ele tem na mão e pega dele, reage: "Mê!". O cara é safo. Safo também pra se comunicar, entende tudo o que dizemos, reconhece, aponta ou pega o avião, o girassol, a casa, o dinossauro, o sapato, a ambulância, o pé (que delícia o texto do vô Zuenir sobre Alice descobrindo o próprio umbigo)
... Mas o danadinho, que tudo sabe, quase nada fala. Gláucia, nossa assistente, lembra um ditado lá da terra dela: "Só não fala pra não ter trabalho..." Não é verdade: como ele também é atencioso, eu até exploro - "Filho, pega o controle ali pra mamãe?", "Me dá o jornal?", "Apaga a luz"...

Ela, Sofia, tem 5 anos e está aprendendo a escrever;
ele, Cosmo, tem 1 ano e 4 meses e está aprendendo a falar.
Eu, a mãe deles, estou conhecendo o prazer indescritível e impronunciável dessas descobertas, um momento, tão mágico, tão revolucionário, tão libertador. Vejo uma porta, uma fronteira transposta, um novo horizonte inteiro se abrindo pra cada um dos meus filhos, que estão renascendo, se inserindo socialmente
no mundo, cada vez precisando menos da mãe que alimenta e traduz.

E aí, enquanto crescem os "superpoderes" deles, o meu superpoder ilusório de protegê-los vai ganhando a dimensão do real. E
aquela ficha, de que nossos filhos não são nossos, cai um pouquinho mais. "Crescer dói", aprendi, e sigo aprendendo. Por exemplo, não vai adiantar mais, na hora do noticiário, baixar o som da TV e ligar a tecla sap pra poupá-los das notícias tristes, das violências da vida.