Qual o limite para a falta de limite?
Sofia anda testando o meu. Esta pessoa que mal chegou ao mundo já conhece os mais recônditos porões da minha alma. E, vira e mexe, se dispõe a abrir suas gavetas entulhadas e tortas.
Antes de ser mãe, eu era uma excelente mãe. Achava que jamais gritaria com filhos; bater, então! Eu ria de piada de mães judias e italianas, dramáticas e chantagistas. Balançava a cabeça para quem sai andando e deixa o filho se esgoelando, coitado, no meio do corredor do shopping. Afinal, quem se irrita a este ponto com um filho só pode ser desequilibrado. Ou cruel. Afinal, tratando as crianças com carinho, elas vão ser sempre carinhosas e boazinhas, certo? Nananinanão. E assim me vejo recorrendo a expedientes perversos para conseguir cumprir a mínima rotina doméstica. Um exemplo (considere longas pausas entre as falas):
- Daqui a pouco tá na hora do banho.
- Tá na hora do banho.
- Vamos pro banho?
- Tá, mais um minuto e vamos.
- Então agora vamos pro banho, vamos lá, ajuda a mamãe.
- Banho no três: 1, 2... 3.
- Já pro baaaanhoooo!
Ela, que antes só me ignorava, então dá a entender que estava ouvindo sim, só não estava interessada:
- Não vou. Não quero.
E a hora passando, a margem de segurança para imprevistos idem, e ela continua:
- Não vou! Não quero!
Quando tento conduzi-la civilizadamente, ela escapole aos safanões e pontapés.
É aí que os meus monstros saem da gaveta, ávidos por aquela jugular fofinha.
A mais frequente é o misto de mãe judia com italiana. Vigorosamente, a arrasto pro chuveiro e parto pra seção de culpas:
- Eu não gosto de fazer isso. Mas você está fazendo malcriação e me deixou muito brava. Pra que aborrecer a mamãe? Não é pior assim? Se você ajuda, fica tudo bem. Mas assim não dá certo. Mamãe está muito triste. E pior: atrasada. Agora, não vai mais dar tempo da gente brincar, porque você passou esse tempo todo fazendo malcriação em vez de obedecer.
A essa hora ela, arrependida, pede mil desculpas, chora, me abraça, pede pra me acalmar. Mas eu, coração de pedra, fico intransigente. E as lamúrias continuam:
- Tá, desculpo, mas ainda estou chateada. E você precisa entender que tem que obedecer. Quando a mamãe fala, tem que atender. Combinado? Combinado.
E aí começa tudo de novo, agora pra SAIR do banho. E, quando esgota-se a criatividade e a paciência não dá o ar da graça, apelo para a torneira fria.
Deve haver um jeito menos truculento de fazer um filho ser cooperativo. Alguém me ensina?